Objeção de consciência: o crime de recusar-se a realizar um aborto
- Joseb S. Roque
- 22 de jan.
- 5 min de leitura
Atualizado: 9 de mar.

Recentemente tivemos aberto mais um debate envolvendo o aborto, desta vez se trata do projeto de lei da deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP), que visa punir os médicos e outros profissionais da área da saúde que se recusem a realizar um aborto legal por meio da “objeção de consciência”. Primeiro, vamos entender do que se trata essa objeção, tal termo é utilizado quando qualquer cidadão se abstém da realização de um dever previsto em lei por este não ser compatível com suas crenças e valores políticos, éticos, morais ou religiosos.
O projeto tramita em duas versões, uma mais rigorosa e outra mais leve. A primeira transforma em crime de omissão de socorro quando não há outro profissional para realização do aborto o que poderia resultar em pena de 1 a 6 meses de detenção e pagamento de multa, em caso de óbito o profissional responderia por homicídio culposo com pena de 1 a 3 anos de prisão. Na segunda versão a “mais leve” o profissional que se recusar responderia por infração ética, podendo perder o cargo público por improbidade administrativa.
Se faz importante entendermos como funciona a legislação sobre o aborto no Brasil. Desde os anos 1940 se configura crime sua realização, porém em casos específicos pode-se haver um aborto legal que são em casos de gestação incompatível com a vida (casos de anencefalia), risco de morte para mãe e estupro. Nestes casos é dever do estado prestar suporte necessário para as mulheres que estejam legalmente protegidas para realização do ato, sendo assim o Sistema Único de Saúde (SUS) deve oferecer gratuitamente o procedimento. Contudo, o Código de Ética Médica permite a recusa desde que não prejudique a saúde do paciente, haja vista, que o médico tem autonomia para exercer sua profissão.
É importante salientar que nem todas as instituições estão habilitadas para realização do ato sem objeções. No Brasil há aproximadamente 176 instituições da área de saúde, que se encontram habilitadas para aplicarem o procedimento do aborto. O Ministério da Saúde em sua cartilha sobe o tema indica que o aborto legal ocorra até 20 semanas de gestação ou peso do feto ser menor que 500 gramas. A contraindicação é para gestações a partir de 22 semanas.
Quando falamos de objeção de consciência estamos tratando de um dispositivo normativo que há nos códigos das políticas públicas e profissionais que pretende resguardar a integridade de indivíduos envolvidos em situações de conflito moral. O médico tem o poder de evocar a objeção de consciência em uma situação de aborto, contudo, desde que não haja desconfiança sobre a veracidade do estupro, o pedido deve ser sustentado restritamente por razões de cunho moral privado. Vale frisar que não há necessidade nenhuma da apresentação de um boletim de ocorrência, havendo assim a “presunção de veracidade na palavra da mulher.
A seguir iremos entender as 3 teses que permeiam o ato da objeção de consciência. Tese da Incompatibilidade: Savulescu (2006) em seu pressuposto ético explica que os valores morais exercem diferentes papéis nos âmbitos privado e público. Sendo assim, o profissional tem o direito de exercer sua religião de maneira privada junto mais suas ideologias filosóficas, incluindo a prática da militância política contra o aborto, porém deve manter-se neutro no momento que representa o estado quando em um serviço público. Sendo assim, a recusa da assistência poderá ser classificada como ato discriminatório, ilegal ou imoral dependendo dos motivos e as consequências de sua atitude na vida da mulher.
Tese da Integridade: Não apenas profissional de medicina,mas todos os outros envolvidos de maneira direta ou indireta nos serviços de saúde deveriam poder fazer uso desse dispositivo, para recusar-se a cumprir seus deveres toda vez que a integridade moral estivesse sob ameaça devido a demanda da mulher. Entende-se que antes de praticar a medicina com a neutralidade do Estado, o sujeito é parte de uma grupo social que tem suas regras morais e essas determinam os deveres, consciência e até mesmo os limites de certo e errado para prática da medicina.
Pellegrino (1990) pressupõe que o respeito à própria consciência é parte de um dos estados essenciais do sujeito, desta forma deve ser plenamente garantido nos serviços de saúde. Brock (2008) interpreta que não há razão para crer que a recusa de consciência não seja sincera. A consciência não apenas nortearia o entendimento de certo e errado, como também guiaria o profissional a não ser partícipe de atos que pressupõe serem destoantes de seus valores. Partindo deste direito a liberdade de consciência o profissional poderia se opor a atender um serviço de aborto legal.
Wicclair (2008) afirma que não ocorre incompatibilidade entre o dever dos médicos e o reconhecimento da recusa através da objeção de consciência como direito a manutenção da integridade moral. O Código de Ética Médica reconhece que o médico tem o direito a objeção de consciência, entretanto impõem limitações a sua aplicabilidade. Embora não seja obrigado a realizar ações que ferem sua moral, a não ser que haja a ausência de outro profissional, em casos de urgência e emergência, ou que tragam danos à saúde do paciente.
Tese da Justificação: Não há uma relação igualitária entre o embate da objeção de consciência e demanda da mulher, tal ato poderia ser visto como abuso de poder do médico. O entendimento da objeção de consciência como um direito universal e absoluto poderia fragilizar o sistema público de saúde, pois haveria riscos de uma recusa permanente da assistência pelos profissionais. Sendo assim, este direito não instaura um passe livre para recusas profissionais, sua motivação deve estar relacionada à integridade moral do sujeito e razoável para o marco dos direitos humanos.
O médico precisa justificar a solicitação, que deve ter sua relevância avaliada pela unidade de saúde. A aposta na sinceridade do médico não se faz suficiente para subtrair direitos absolutos e fundamentais das mulheres em detrimento da moral do profissional. É preciso entender que o respeito à integridade moral do sujeito se faz anterior a sua vinculação no serviço, isto é, o indivíduo com objeção de consciência integral ao aborto não deve fazer parte das instituições que são referência na realização de aborto legal.
Por fim, podemos entender que o debate acerca da legitimidade do direito a recusa profissional através da objeção de consciência é antigo. Há varias teses ué versam sobre o tema com diferentes norteamentos para o exercício desse direito, contudo podemos observar que há algumas falhas em nosso sistema que germinam as perguntas a seguir: Por que a aposta da sinceridade é apenas válida para mulher e não para o médico? Sabendo dos serviços de referência, por que médicos optam por trabalhar neles quando não concordam com sua aplicação? Qual a real intenção de criminalizar os valores, ética e moral de um indivíduo?
Referências
DINIZ, D. Objeção de consciência e aborto: direitos e deveres dos médicos na saúde pública. Revista de Saúde Pública, v.45, n.5, p. 981-985, out. 2011.
GADELHA, Igor. Deputada quer criminalizar médico que se recusar a fazer aborto legal. Metrópoles, Brasília, DF, 21 jun. 2024. Disponível em: <https://www.metropoles.com/colunas/igor-gadelha/deputada-quer-criminalizar-medico-que-se-recusar-a-fazer-aborto-legal>. Acesso em: 26 jun. 2024.
RODRIGUES, Kairo. “Médico pode se recusar a fazer aborto?”. Jusbrasil, 2022. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/medico-pode-se-recusar-a-fazer-aborto/1582518547>. Acesso em: 26 jun. 2024.
Bacharel em Psicologia pela Uninassau-JP, Pós graduado em Projeto e Desenvolvimento de Jogos Digitais pela Universidade Cruzeiro do Sul, Pós graduado em Psicanálise, Docência e Pesquisa para Área da Saúde, Docência do Ensino Superior e Tutoria em Educação à Distância pela Faculdade Dynamus de Campinas, Técnico de Enfermagem pela Escola Técnica de Enfermagem Rosa Mística, Palestrante e Escritor.
E-mail: josebroque@icloud.com
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