top of page

Tatuagens: Metáforas Carnificadas em um Corpo Simbólico

  • Foto do escritor: Joseb S. Roque
    Joseb S. Roque
  • 8 de out. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 9 de mar.


A cerca de 5300 atrás um caçador foi morto nos Alpes italianos, seu corpo conseguiu ser preservado devido ao gelo dos Alpes e em 1991 um casal encontra o homem em seu descanso final. Mas o que isso tem haver com tatuagens? Bem, esse homem preservado pelo tempo, apresentava em seu corpo mumificado nada mais, nada menos que 57 tatuagens, algumas inclusive em pontos terapêuticos da acupuntura. Isso mostra que o processo de marcação corporal é muito mais antigo do que podemos imaginar.


Ao ir se tatuar é normal a pessoa ser alertada do risco de arrependimento, haja vista, que o processo de remoção é doloroso, caro e nada fácil. Contudo, de nada adianta tais avisos, já que o, que se deseja com esse ato é criar um efeito de permanência, ou seja, que a tatuagem não pode ser removida e nem ignorada. A tatuagem então se torna uma indumentária definitiva, uma roupa eterna (CORSO; CORSO, 2014).


O corpo se delimita como uma expressão perene de nossa subjetividade, nele nós podemos erigir às mutações, que alicerçam a construção de nossa personalidade, traumas vividos como perdas, conquistas laborais ou acadêmicas entre outras. Tudo que permeia a trajetória de vida do indivíduo como ser social pode vir a ser uma marca perene, que eclode de sua subjetividade e se emaranha na carne, como uma erupção que marca a trajetória de vida, que rompe o simbólico individual e se inscreve na pele como vitrine do existir.


Como diz Corso e Corso (2014) a utilização do corpo como via portadora de mensagens simbólicas através de tinturas e cicatrizes é milenar e mais ainda, é transcultural. Ou seja, independente da cultura ou época o ser humano de alguma forma vem marcando seu corpo, expressando sua marca grupal, cultural e individual ao longo de sua existência. Independentemente de onde habita e quando, a humanidade escreve por meio de tatuagens, adornos e carnificações a sua história.


Sabemos que às roupas, os adornos corporais como anéis, brincos, colares entre outros são uma forma de nos distinguir de outros grupos, servem como afirmação não verbal de uma posição social, inserção grupal e identificação ideológica.


A construção da identidade de cada um de nós se dar por via das constituições simbólicas, ou seja, damos valores simbólicos às nossas experiências, desejos e angústias. Esse processo nos leva a moldar uma identidade totalmente subjetiva, que anseia por uma expressão extra corpórea, que pode vir das mais diversas formas, através do discurso, das indumentárias e do próprio corpo.


Tatuagens podem então ser interpretadas como as marcas do tempo pessoal, como uma vitrine indissolúvel das mudanças internas, que fluem simbolicamente na pele, na tela individual que manifesta a arte do existir, a arte de se metamorfosear através do tempo e de nossas experiências. Tatuagens podem ser uma identificação grupal, mas sobretudo é uma manifestação íntima do nosso existir.


Para além do já citado, a marca transcrita na pele pode ser também o símbolo de uma tentativa de manter vivo o que já não está mais presente. Como a morte se apresenta sem representação no inconsciente o indivíduo tenta lidar com a perda e seu luto das mais diversas formas e uma delas é a tatuagem.


Tatuar o rosto ou nome de alguém falecido diz muito sobre a tentativa de manter vivo e de aceitar o luto, com esse noma adscrito na pele, o sujeito tenta simbolizar o irrepresentável em um movimento que ao mesmo tempo significa que te deixei ir, como também prende eternamente o falecido a seu corpo. Assim, jamais perdendo de visto o ente levado pela morte.


Podemos reclinar nossos olhos para os pais da atualidade, onde na maré contrária da geração passada, inscrevem em sua pele o nome de seus filhos e cônjuges, numa tentativa de prender a si aqueles que nunca poderão estar eternamente ao seu lado. Podemos interpretar como uma fuga dos pais, frente a futura síndrome do ninho vazio, onde os genitores sofrem com a independência financeira e emocional dos filhos ao partirem de casa e deixarem os pais.


Por sua vez, os filhos sofrem com uma criação infantilizada, onde pais eternamente protetores aprisionam sua prole emocionalmente e/ou financeiramente, fazendo com que cada vez mais os filhos estejam ganhando independência mais tarde, optando por estarem seguros no ninho ilusório e simbólico dos pais.


Neste ato de controle parental o que sobra para os filhos é apenas o corpo, a única instância de pertencimento real e é neste corpo que tatuagens e adornos se apresentam como um grito de independência, uma tentativa de mostrar que algo em sua vida lhe é controlável, que o desejo de existir para além do ninho não morreu.


Por fim, nosso corpo nos é dado desde o nascimento, não há escolha, impossível haver, crescemos com os olhares que ditam como devemos apresentar esse corpo na sociedade. Há leis implícitas em cada cultura de como devemos erigir nossa identidade social e o papel não verbal desse corpo esperado, cobrado e sonhado, para o bem, não do sujeito, mas da estética social.


O que nos resta? Nos resta esse corpo como escape, como vitrine simbólica do nosso existir, como uma carteira de identidade grafada em nossa pele, uma tentativa de lutar contra a cruel realidade de não podermos ser ou ter a imagem corporal inconsciente que nos castra diariamente através do espelho.


  • Bacharel em Psicologia pela Uninassau-JP, Pós graduado em Projeto e Desenvolvimento de Jogos Digitais pela Universidade Cruzeiro do Sul, Pós graduado em Psicanálise, Docência e Pesquisa para Área da Saúde, Docência do Ensino Superior e Tutoria em Educação à Distância pela Faculdade Dynamus de Campinas, Técnico de Enfermagem pela Escola Técnica de Enfermagem Rosa Mística, Palestrante e Escritor.

  • E-mail: josebroque@icloud.com

  • A reprodução parcial ou total desta produção sem autorização prévia ou créditos é expressamente proibida.


REFERÊNCIAS


CORSO, D. L.; CORSO, M. Corpos ilustrados e enfeitados: tatuagens e marcas corporais. Revista Brasileira de Psicoterapia, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 138-150, 2014. Disponível em: https://rbp.celg.org.br/detalhe_artigo.asp?id=148. Acesso em: 01 out. 2020.


HISTORY. Múmia de 5.300 anos é encontrada nos Alpes italianos. History, São Paulo, 19 set. 20??. Disponível em: https://history.uol.com.br/hoje-na-historia/mumia-de-5300-anos-e-encontrada-nos-alpes-italianos. Acesso em: 01 out. 2020.


AMO TATUAGEM. Tatuagens Yakuza: muita história e significado + fotos para se inspirar. Amo Tatuagem, s/l, s/d. Disponível em: https://amotatuagem.com/tatuagens-yakuza/. Acesso em: 01 out. 2020.


CLUBE DO DIABETES. DIABETES E TATUAGEM: VEJA QUAIS SÃO OS CUIDADOS ESSENCIAIS. Clube do diabetes, s/l, s/d. Disponível em: https://clubedodiabetes.com/2019/12/diabetes-e-tatuagem/. Acesso em: 01 out. 2020.


Dicas de leitura:


Uma história da tatuagem: https://amzn.to/36PTxBN

Tattoo - A Pele Marcada de Histórias: https://amzn.to/3nGZwz0

O mais profundo é a pele: Tatuagem e identidade: https://amzn.to/3nvElzz

O Corpo Fala: um estudo sobre tatuagem e informação: https://amzn.to/2IbwMy1

O corpo como suporte da arte: piercing, implante, escarificação, tatuagem: https://amzn.to/2GHxToB

As nazi-tatuagens: inscrições ou injúrias no corpo humano?: https://amzn.to/3lsDYnL

Tatuagem, Piercing e Outras Mensagens do Corpo - Coleção Prismas: https://amzn.to/36NeNZ6

Comments


©2021 by Joseb Roque.

bottom of page