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O feminino e a pesquisa em psicologia

O FEMININO E A PESQUISA EM PSICOLOGIA

THE FEMININE AND RESEARCH IN PSYCHOLOGY

Autor: Joseb Silva Roque*

GRACIANO, M. Contribuições da psicologia contemporânea para a compreensão do papel da mulher. Cadernos de Pesquisa, 15, Fundação Carlos Chagas, 1975, p. 145-150. Disponível em: http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/cp/arquivos/284.pdf. Acesso em: 05 maio 2020.

1 - INTRODUÇÃO


Profa. Dra. Antonieta Marília de Oswald de Andrade é: graduada em psicologia pela USP/PUC-RJ (1964/1968), mestra em psicologia pela PUC-RJ (1970/1971), doutora em psicologia social pela Columbia University, NY (1971/1974), Tem especialização em dança pela New York University, NY (1984) e é pós doutora pela Laban Centre em Londres (1991/1992).

A obra analisada nesse trabalho expõe de maneira diretiva a problemática da falta de pesquisa dedicada ao comportamento feminino de forma específica, haja vista, que os estudos tendem a colocarem o resultado de pesquisas feitas com populações masculinas como medida igualitária do comportamento da mulher.

A autora também demonstra a influência da psicanálise em olhar para mulher sem as amarras do masculino, contudo ainda de maneira embrionária. Ela também explica diferentes teorias que são utilizadas para estudar o comportamento feminino e compreender como se formam.

O presente trabalho visa observar o cenário da pesquisa em psicologia e a escassez de produções, que investiguem melhor o comportamento feminino de maneira isolada, sendo utilizada a obra “Contribuições da psicologia contemporânea para a compreensão do papel da mulher” de Antonieta Marília de Oswald de Andrade.

Analisar uma obra como esta é importante para podermos perceber a importância e necessidade de ter o comportamento feminino como um objeto de estudo separado do masculino, podendo assim mudar e desmistificar certas crenças acerca da mulher e seu agir em sociedade.

2 - CONTEÚDO DA OBRA

Graciano na introdução de seu artigo trás que a psicologia diferencial tem dados descritivos, que contribuem com o retrato psicológico de ambos os sexos. Entretanto, há certa desconsideração da psicologia científica com os dados descritivos puro, dando maior importância a postulados explicativos.

A psicologia enquanto ciência deveria criar leis universais e validadas, ou seja, que pudessem ser aplicadas ao ser humano de maneira geral, independentemente do seu sexo. Contudo, deve-se pontuar que algumas áreas da psicologia conseguem essa universalidade das leis em determinado grau, tendo dificuldade de se alcançar tais leis universais.

A psicologia tem aceitado em estabelecer hipóteses explicativas restritas oriundas de alguns estudos, que precisam ser testados em grupos populacionais diferentes antes de serem generalizados. Frequentemente de maneira invertida ocorre uma generalização do estudo psicológico da mulher, que leva a um entendimento errado do comportamento feminino. Existe uma necessidade de estudar os subgrupos para que possa haver uma qualificação das hipóteses explicativas restritivas, consequentemente reformulando-se em termos mais gerais.

Em certos casos isolados como o da psicanalista Karen Horney, poucos autores tiveram a preocupação de enxergar a mulher como um ser que detém características psicológicas especiais. Vem ocorrendo uma mudança na atitude da psicologia com relação a essa problemática, em paralelo à uma maior aceitação das lutas femininas por igualdade social. Um maior número de profissionais da psicologia vem se preocupando em analisar a situação psicológica e sua correlação com a desigualdade social.

Na segunda parte do texto intitulada CONTRIBUIÇÕES EM TERMOS DE DENÚNCIA a autora dialoga com 3 pontos centrais para fundamentar sua crítica. Pontuando a literatura da psicologia como denunciante do problema de enfoque sobre a situação da mulher.

Aspecto I - A psicologia demonstra ter uma tendência de menosprezar sistematicamente as diferenças entre os sexos. Há uma despreocupação de se investigar as diferenças que existem entre os sexos. Nos primeiros estudos de McClellan (1953) sobre motivo de realização utilizaram indivíduos masculinos e seus postulados não conseguiram ser replicados em mulheres. Field (1951) demonstrou que nas mulheres o motivo para realização se conecta em ser aceita socialmente, isto é, que gostem dela.

Martina Horner (1970) demonstra que mulheres mesmo em nível universitário demonstram medo do sucesso, pois percebem ele incompatível com o feminino, podendo dificultar que sejam amadas. Tal desatenção se apresenta de maneira constante na psicologia, que se reflete não apenas na ausência de estudos comparativos, mas em uma tendência de negar, minimizar, ou não buscar respostas para determinadas diferenças que objetivamente foram achadas.

Aspecto II - Reconhecimento da psicologia de que certas características psicológicas da maior parte das mulheres são “naturais” e não influenciadas pela cultura. De maneira sistemática encontramos teorias da psicologia que direta ou indiretamente se referem as diferenças entre homens e mulheres como “naturais”.

Ao se considerar tais traços em si mesmos, independente da aplicação em homem ou mulheres, podemos concluir que socialmente os traços tidos socialmente como masculinos, são mais representativos e valorizados sendo chamados na psicologia de personalidade sadia. Graciano cita, que Freud apontou o uso dos termos femininos e masculinos em estados psicológicos são usados de forma indevida, pois utilizam das diferenças anatômicas e biológicas no plano das diferenças mentais.

Ela também afirma que Freud não encontrava motivos para haver passividade em nível psicológico na fêmea, utilizando como comparação algumas espécies de animais, como a aranha é perceptivelmente mais agressiva e ativa, e alguns subgrupos de macacos onde os cuidados da prole ficam por conta dos machos. Correlacionar o passivo com o feminino e o ativo com masculino não agrega em nada no conhecimento.

Ainda citando Freud a autora trás que a mulher partindo da sua participação no ato sexual, pode transferir a predileção por objetos passivos para aspectos da vida em menor ou maior grau. Contudo, devemos ter respeito e não subestimar a influência das tradições sociais, que forçam as mulheres a passividade. Por muito tempo na psicologia a realização “sadia” e “natural” estavam ligadas ao envolvimento afetivo e a procriação, enquanto para o homem estava ligada a objetivos concretos e independentes de uma satisfação emocional. Hoje tais postulados são evidentemente criticados.

Aspecto III - O aspecto social do problema feminino é menosprezado pela psicologia, tendendo a definir certos conflitos como intrapsíquicos, decorrentes de uma situação social específica. Como pai da psicanálise Freud é criticado por não compreender a verdadeira problemática do feminino, afirmava estar longe de conhecer tal enigma e em meados dos anos 30 afirmou, que os estudos originários de algumas mulheres psicanalistas começaram a compreender melhor como se desenvolve o psicológico feminino.

A exemplo desses entraves temo a adaptação sofrida pelo complexo de Édito para o caso da menina, que criou a existência da inveja do pênis, que mesmo ela não sendo muito fundamentada é amplamente usada e aceita por alguns psicanalistas como o núcleo inconsciente da problemática psicológica feminina.

Karen Horney afirmava que devido a psicanálise ser criado por homens, entendendo melhor o desenvolvimento do homem, sendo uma psicologia masculina. Ocorre uma explicação social para o sentimento de inferioridade da mulher em relação ao homem e a inveja do pênis pode ser interpretada como uma simbolizarão desses sentimentos. O pênis é o símbolo de detenção do poder, especificamente nesta cultura, que é da competição entre mulher e homem. A inveja do pênis se apresenta igual a qualquer atitude de qualquer grupo que se encontra desprivilegiado em ralação ao grupo no poder.

Na terceira e última parte do artigo chamada de CONTRIBUIÇÃO EM TERMOS DE FORMULAÇÕES TEÓRICAS a autora irá trazer duas linhas de pesquisas diferentes dentro da psicologia social, que investigam a problemática com a inferiorização da mulher, às influências sociais em seus comportamentos e a percepção em relação a sua posição social.

I - A socialização dos papéis sociais se caracteriza pelo estudo e investigação do processo pelo qual o sujeito internaria e adota valores, comportamentos e atitudes correspondentes ao esperado por seu grupo social. No estudo do processo de socialização sexual, isto é, como meninas e meninos são adaptados ao modelo, atitudes, comportamentos e valores próprios de cada sexo. Os psicólogos procuram explicar a gênese da passividade, ambivalência e dependência em relação à autorrealização.

Os brinquedos dados, os comportamentos incentivados e as expectativas manifestadas pelos adultos em relação da menina, exerce uma influência poderosa na apropriação de características psicológicas “femininas” e “masculinas”. Existe uma pressão social enorme, que se exerce de maneira direta e indireta para mulher apresentar “características” femininas, acabando por fixar atitudes e motivações de forma profunda na mulher adulta. Tais características passam a ser vistas como naturais, sendo verdadeiramente determinadas por sutis e profundas influências sociais.

Os estudos realizados das variáveis no processo de socialização poderá servir como base para libertar as crianças para adotarem seus próprios comportamentos e atitudes, independente das características da anatomia sexual. Para ocorrer essa mudança da desigualdade social entre mulheres e homem na formulação de seus papéis sexuais é necessário uma mudança no comportamento das mulheres adultas, que detém papéis principais como agentes socializadores como professoras e mães.

II - O comportamento de grupos desprivilegiados. A desigualdade entre mulheres e homens que a séculos se encontra presente na sociedade, manteve-se estacionada até o momento que as mulheres não aceitaram mais a desigualdade como naturais. Analisar tal conflito é importante para psicologia, podendo explicar as razões pelas quais as mulheres como grupo social, têm dificuldades de atura de forma objetiva para mudar sua situação.

Para que ocorra uma mudança é preciso que o grupo desprivilegiado adquira a noção de sua frustração e resolva agir de maneira coesa e firme para realizar uma modificação, haja vista, que o grupo dominante sempre irá resistir a qualquer tentativa de mudança. É necessário que as mulheres não mais aceitem seu status de inferioridade como legítimo e natural, passando a atuar na reformulação da ideologia vigente e conseguir adquirir igualdade social.

O fenômeno de perpetuação da situação do desprivilegiado pode ser explicado pela psicologia como identificação com o agressor, ou seja, uma assimilação das características repressoras e punitivas da figura detentora do poder. Contudo, essa hipótese de identificação não pode ser aceita facilmente pela psicologia científica, devido a falta de comprovação empírica e por dificuldades de definições teóricas. Porém, nada impede que em um nível analógico possa se dizer que as mulheres terminam por si identificarem com o grupo opressor.

A autora finaliza afirmando acreditar na mudança do cenário que a psicologia dava para o estudo da mulher. A literatura dos estudos comparativos entre os sexos aumentaram entremente. Ocorre uma tendência em utilizar o conhecimento da psicologia para compreender melhor a submissão feminina. Aparentemente estamos indo no caminho certo, entretanto ainda se tem muito que fazer.

3 - ANÁLISE

O artigo analisado pontua a negligência da pesquisa sobre o comportamento feminino, influências que atuam em sua formação e a generalização do comportamento a partir de estudos em sua maioria realizados com público masculino, faltando enfoque de pesquisas em grupos minoritários como as mulheres.

Tais afirmações se confirmaram após pesquisas em alguns bancos de dados; na Scientific Electronic Library Online (SciELO), foram utilizados os termos psicologia, mulher, feminino e comportamento, pesquisados nos últimos 6 anos e nenhum artigo foi encontrado. Na Latin American and Caribbean Health Sciences Literature (LILACS), foram utilizados os termos mulher, feminino e comportamento na busca por títulos, nenhum resultado foi encontrado. No Banco de Dados de Teses e Dissertações (BDTD), se utilizou as palavras mulher, feminino, psicologia e comportamento na busca de produções entre 2015 e 2020, obtendo 96 resultados.

A teoria psicanalítica se mostrou fundamental e pioneira nos estudos do feminino, como apontado pelo site Psicanálise Clínica (2019) a psicanálise tem figuras femininas de destaque, que ajudaram a desvendar um pouco sobre a sexualidade e comportamento da mulher como, por exemplo: Helene Deutsch, Sabina Spielrein e Karen Horney. Melo (2009) diz que somos como crianças quando se trata de compreender os estudos voltados para os aspectos de gênero.

Torres e Camilo (2013) afirmam que todos os indivíduos procuram ter uma identidade social para terem uma auto imagem positiva, que é conseguida por meio da comparação social. Tal identidade se apresenta como um processo social, ocorrendo em certos contextos, dialogando com a noção de organização social, da sua estrutura, estabilidade e legitimidade. Entender toda essa importância é essencial para compreender os conflitos entre a mulheres e o grupo dominante, assim como se da o processo de construção da identidade feminina frente as demandas e exigências externas.

4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS (CONCLUSÃO)

Apesar do artigo a primeira vista parecer defasado, devido a sua publicação ocorrer no ano de 1975, após leitura e análise do mesmo ele se mostra ainda atual e pertinente ao cenário visto no século XXI. A problemática discutida na década de 70 ainda permeia o âmbito acadêmico, haja vista, que ainda se encontram poucas pesquisas voltadas para compreender desnaturalizar o comportamento feminino, que assim como o masculino provém dos fatores externos.

A generalização comportamental ainda é vista em estudos recentes, pois ainda não temos uma grande quantidade de pesquisas exclusivamente realizadas com públicos minoritários. Para suprir essa lacuna os resultados de estudos gerais tendem a ser aceitos para todos os públicos, independente do sexo.

Observa-se que mesmo a psicanálise estando na vanguarda do estudo do comportamento feminino e dos processos de sua formação ainda falta nela mais estudos, que analisem a mulher como ser social e o processo de sua formação psicológica. Contudo, isso não quer dizer que a psicanálise negligencia a mulher.

A psicologia social e seus estudos voltados para grupos minoritários e o comportamento frente a um ambiente opressor é uma porta para se estudar como as mulheres se comportam na sociedade, como entendem seus papéis e sobretudo, como elas podem usar de sua posição para agirem como agentes modificadores do seu ambiente. Essa compreensão pode ajudar na ruptura dos laços sociais que colocam a mulher como naturalmente dependente, fraca, melancólica entre outros adjetivos tidos como representativos do feminino.

Por fim, embora o cenário nos últimos 45 anos tenha mudado e a psicologia comece a olhar para mulher como um objeto de análise separado, ainda temos muito a melhorar, pois como mostrado na pesquisa em bancos de dados acadêmicos, os estudos existem, porém ainda tímidos, singelos e discretos. Resta a nós cientistas da psicologia, mudar esse quadro, quebrar tais barreiras impostas implícita ou explicitamente e trazer a mulher ao seu lugar de direito, um lugar que não deve estar acima e nem abaixo do homem, mas em mesmo nível e proporção, pois somos todos seres humanos.


  • É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação sem o consentimento prévio do seu criador, ou sem dar os devidos créditos ao autor e site.

  • *Bacharel em Psicologia pela Uninassau, graduando em Letras Português e Inglês, pós graduando em Projeto e Desenvolvimento de Jogos Digitais ambos pela Universidade Cruzeiro do Sul Virtual, pós graduando em Docência do Ensino Superior e Tutoria em Educação a Distância, Docência e Pesquisa para Área de Saúde e Psicanálise pelo ZAYN - Instituto Mineiro de Formação Continuada.


5 - REFERÊNCIAS

MELO, C. A. D. As contribuições da psicanálise para a compreensão da posição feminina. Psicologia.pt - O Portal dos Psicólogos, 2009. Disponível em https://www.psicologia.pt/artigos/ver_artigo_licenciatura.php?codigo=TL0205. Acessado em 05 maio 2020.

PSICANÁLISE CLÍNICA. A importância da mulher na descoberta da Psicanálise. Psicanálise Clínica, 08 mar. 2019. Disponível em https://www.psicanaliseclinica.com/a-importancia-da-mulher-na-psicanalise/. Acessado em 12 maio 2020.

TORRES, A. R. R.; CAMINO, L. Grupos sociais, relações intergrupais e identidade social. In: CAMINO, L. et al. (Org.). Psicologia Social: Temas e teorias. Brasília, DF: Technopolitik, 2013. p. 515-539.


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